Por Claudia Buchholz.

A interdisciplinaridade, a troca entre ciências, tem sido valorizada nas últimas décadas. O que fazia parte dos conceitos da antiguidade, se perdeu na Idade Média e teve resgate no Humanismo da cultura renascentista. Hoje temos clara a importância da multidisciplinaridade.

As especialidades dentro de cada disciplina são fundamentais para viabilizar o aprofundamento dos conhecimentos, porém o entendimento do ser humano como um todo não pode ser perdido de vista.

 

A Arquitetura sempre conversou com a Engenharia, a Arte, a Física, a Filosofia, a Psicologia.

Na década de 1990 os estudos de Neurociência deram um salto, com aparelhos e instrumentos que possibilitaram pesquisas para entender o cérebro e o comportamento. E a Neurociência passou a ser aplicada a várias disciplinas.

 

A aplicação na Arquitetura se deu a partir da pesquisa realizada pelo médico norte-americano Jonas Salk (referido pelo The New York Times como o “pai da Biofilosofia”) que, buscando a cura para a poliomielite na década de 50, estudou por algumas semanas na Itália e concluiu que o ambiente da Basílica de São Francisco de Assis foi determinante no aumento das suas capacidades mentais, de forma que lá, em 1953, atingiu o seu objetivo criando a vacina.

Ele acreditava que humanistas e artistas deviam se juntar aos cientistas para alcançar uma compreensão do homem em toda a sua complexidade física, mental e espiritual.

Em 1960 fundou o Instituto Salk para pesquisas biológicas, em La Jolla, Califórnia, projetado pelo arquiteto Louis Kahn. Ali, décadas depois, em 2003, o arquiteto John Eberhard fundou a ANFA, Academia de Neurociência para Arquitetura. Ou seja, a junção dessas duas ciências, formando a popularmente chamada Neuroarquitetura, é recente.

 

A Psicologia Ambiental há muito tempo estuda e dissemina formas de impactar as nossas emoções a partir do espaço físico. A Neuroarquitetura vem mostrar o que acontece no nosso cérebro, comprovando e explicando por que esses impactos acontecem. São vários estudos científicos que solidificam preceitos importantes para o projetar.

Ferramentas como o rastreamento do movimento ocular (Eye tracking) ou a medição de RGP (Resposta Galvânica da Pele) são cada vez mais acessíveis aos profissionais, porém equipamentos mais elaborados e o processo para o desenvolvimento de pesquisas científicas não têm ampla acessibilidade.

Por isso a maioria dos projetos que considera a Neuroarquitetura utilizam o método EBD (Design Baseado em Evidências). Ou seja, não fazem uma pesquisa científica específica para aquele projeto, mas sim baseiam suas propostas de projeto em pesquisas cientificamente comprovadas.

 

O ponto importante é o entendimento de que não existe ambiente neutro.

Muitas vezes temos percepções ao chegar em um ambiente, como música/barulho ou perfume/odor, e depois deixamos de racionalizar sobre isso. Pensamos que não sentimos mais, mas seguimos absorvendo e sofrendo as influências daquele ambiente. É o blindsight estudado na Neuroarquitetura.

 

Positiva ou negativamente, consciente ou inconscientemente, o ambiente sempre nos impacta.

É interessante pensar, por exemplo, num mesmo usuário. Em determinando ambiente ele é um, em ambiente diferente, é outro. Se chega em uma loja ou em um restaurante muito suntuoso, tem um determinado comportamento, talvez fale mais baixo, se movimente mais devagar. Se a loja ou o restaurante for mais descontraído, a resposta comportamental difere, talvez a reação seja mais despojada também.

Primeiro percebemos (campo sensorial), depois traduzimos para o campo cognitivo e depois temos uma devolutiva comportamental.

A Neurociência aplicada à Arquitetura estuda o que se passa em determinadas áreas do cérebro para que tenhamos reações fisiológicas e comportamentais aos ambientes. Explica como algo tangível (ambiente) impacta algo intangível (cérebro).

 

A experiência da pandemia de Covid-19 mudou a nossa relação com os lugares. Os lugares não são mais “só” onde moramos, “só” onde trabalhamos. Precisam de identidade, de senso de pertencimento.

O programa de necessidades é funcional, é conceitual e também precisa ser uma investigação sobre quem é aquele ser humano e quais são os seus links emocionais.

É preciso entender, por exemplo, a referência de lar de uma pessoa, que é metafísica, que é filosófica.

E a Neurociência vem dar a base fisiológica, mostrando, por exemplo, como o hipocampo, o nosso GPS mental, gera memórias. Porque se temos uma gama sensorial (provocada pelos nossos ambientes) mais ativada, formamos mais memórias afetivas.

 

A Neurociência é um campo extraordinário e nos explica funcionamentos incríveis do nosso corpo, muitos deles associados diretamente a percepções externas, que nos fazem, por exemplo, produzir hormônios determinantes para os nossos comportamentos.

Nos mostra, por exemplo, que o Sistema de Ativação Reticular (RSA) do nosso cérebro minimiza aquilo que não está nos interessando, onde não colocamos foco. Quando damos foco para algo, esse sistema entende que deve nos mostrar mais sobre isso. É o nosso algoritmo natural. Conforme a pergunta que estamos nos fazendo, “atraímos” mais respostas.

A conhecida frase diz “Energy flows where attention goes”.

Não são coincidências, é científico.

A forma como vejo o mundo é determinante para as minhas percepções. Se o critério for “pensamentos negativos”, vou captar o negativo de tudo que acontece.

E essa máquina poderosa que temos nas nossas cabeças é fortemente influenciada por estímulos externos que, na maioria das vezes, não percebemos de forma consciente. Quanto mais inputs de um ambiente, por exemplo, maiores são as respostas no nosso comportamento.

 

Outro exemplo (considerado nudging, um “empurrãozinho”): se vemos uma escada interessante, colorida, com atrações no seu percurso, é provável que optemos por ela e não pelo elevador. Além da ludicidade que esse trajeto pode proporcionar, é um bom recurso espacial de estímulo à atividade física.

 

De forma semelhante, imagine uma sala com apenas um sofá de frente para uma televisão. Agora imagine uma sala com 2 poltronas confortáveis voltadas uma para a outra, com uma mesinha de apoio para 2 taças de vinho. Onde as pessoas conversariam mais? Tudo depende da intenção, do caráter pretendido para o ambiente, que não vai determinar, mas vai estimular comportamentos.

 

Outro efeito da pandemia foi condensar muitas funções em um mesmo local, o que pode ser caótico para o nosso sistema cognitivo, e que afeta emoções e, por consequência, a efetividade das tarefas pretendidas (seja descansar ou trabalhar).

Uma dica seria destinar uma área (mesmo que um pequeno local dentro de um espaço) somente para uma determinada atividade, de forma que o cérebro já entenda o que fazer ali, possibilitando mais organização e concentração.

Se uma mesa, mesmo que um pequeno tampo em um cantinho, servir só para uma finalidade, o cérebro entende essa informação de forma automática, acionando o que o autor americano Daniel Kahneman chamou no seu best-seller “Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar” de Sistema 1 (rápido, intuitivo e emocional), não acionando o Sistema 2, que é mais lento, lógico e tem um consumo energético maior.

Definir a trilha sonora certa para determinada atividade também pode ter esse efeito.

São formas de nos beneficiarmos dessa economia de energia feita pelo cérebro.

Mas acionar o Sistema 2, trazer para a consciência a percepção do ambiente, sair do piloto automático e entender que o ambiente não é apenas um pano de fundo, nos faz valorizar e tirar mais partido das influências espaciais.

 

Vários são os aspectos que interferem na nossa percepção (consciente ou inconsciente) dos ambientes.

Formas com linhas mais retas, por exemplo, podem remeter a confiança e confiabilidade. Formas mais curvas, a flexibilização e interação com o espaço.

Cores podem ter um efeito muito pessoal, ligado a questões culturais, remetendo a sensações diferentes para cada pessoa.

Aromas provocam o sentido mais diretamente relacionado a memórias afetivas, o olfato.

Sons podem modificar estados mentais, por isso a acústica de um ambiente é tão importante.

A iluminação está relacionada ao nosso relógio biológico, o ritmo circadiano, fundamental para a nossa saúde. Diferentes tonalidades das cores do sol impactam nos nossos hormônios.

A biofilia, a nossa conexão nata com a natureza, está relacionada a nossa essência como ser vivo e por isso tem impactos tão fortes na nossa saúde.

Também a personalização de um espaço para o desenvolvimento de uma atividade específica é importante, pois vai ter um reflexo direto na funcionalidade e, assim, na eficiência daquele local.

 

Quando pensamos em espaços corporativos, por exemplo, vários desses aspectos podem comprometer ou estimular a produtividade dos usuários. A forma como as estações de trabalho estão posicionadas, as dimensões e os fluxos das circulações, os ruídos, o conforto e a ergonomia dos mobiliários, a iluminação, a ventilação, o contato com aspectos que remetam à natureza. Até mesmo o pé direito pode influenciar, beneficiando a concentração do time da contabilidade com forro mais baixo e a inspiração dos criativos com um teto mais alto, por exemplo.

Muda o bem-estar, muda a motivação, muda o rendimento.

 

Quando pensamos em ambientes para a saúde, imaginem hospitais com caminhos intuitivos onde ninguém se sente inseguro ou perdido, maternidades cuja arquitetura ajuda no desenvolvimento cerebral dos bebês, clínicas onde os ambientes auxiliam pacientes com perda de memória. São possibilidades transformadoras.

 

Em escolas, por exemplo, está comprovado que somente uma melhor iluminação impacta em notas 20% mais altas em matemática e leitura. Imaginem trabalhar a organização espacial das classes, criando e estimulando novas dinâmicas. Elencar as cores adequadas para cada função dentro daquele contexto, daquela comunidade. São ferramentas que dão uma enorme responsabilidade ao arquiteto.

 

Não projetamos para as revistas ou para as redes sociais.

Projetamos para pessoas.

Lugares com vida. E vida saudável.

E para isso é preciso entender aquele ser humano ou aquele grupo específico de pessoas.

Não existe uma receita.

A Neuroarquitetura nos estimula a fazer esse mergulho na busca de quem somos. É a ciência nos conectando com o que temos de mais humano.